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Tomorrow Summit discutiu desenvolvimento regional e descentralização com a presença da Associação Comercial do Porto
A coesão territorial e o desenvolvimento económico da região Norte foram os temas centrais da mesa-redonda que a Associação Comercial do Porto (ACP-CCIP) levou à sétima edição do Tomorrow Summit – a conferência promovida pela Federação Académica do Porto.
Moderado por Nuno Botelho, o debate iniciou-se por uma reflexão sobre as condições que existem em Portugal para um modelo de desenvolvimento mais coeso entre as diferentes regiões. Augusto Santos Silva, antigo ministro de diversos governos e ex-presidente da Assembleia da República (AR), deu um sinal “optimista” sobre o processo de descentralização que o Estado iniciou em 2018 e que delega nos municípios e nas entidades intermunicipais um conjunto de competências, em áreas como a educação, a ação social ou a saúde. Ainda assim, o antigo governante não deixou de constatar “a enorme resistência que algumas corporações do nosso país têm quanto a uma efetiva descentralização” do poder, citando como exemplo a recusa dos juízes do Tribunal Constitucional em transferirem-se para Coimbra.
O também professor catedrático da Faculdade de Economia do Porto (FEP) concedeu que “existe um problema de desenvolvimento de escala regional” em Portugal e, sem querer discutir se a regionalização é ou não possível nesta fase, considerou ser necessário “existirem mais proxys de poder descentralizado, que possam ser exequíveis e aceitáveis”.
Álvaro Costa: “temos o paradoxo de ter bens públicos nas mãos dos privados”
Na perspetiva da gestão das infraestruturas públicas, Álvaro Costa, professor da FEUP e vice-presidente da ACP-CCIP, apontou para uma “gestão péssima do acesso ao território” feita pelo Estado, ao colocar “bens públicos nas mãos de privados”, como aconteceu com a privatização dos aeroportos, enquanto opta por manter no domínio público empresas que estão no mercado concorrencial, como a TAP. Esse paradoxo, acrescentou, é ainda mais flagrante na questão dos aeroportos do território continental, onde foi criado um monopólio, com potenciais implicações negativas para o Porto. “Felizmente, os [concorrentes] da Galiza ainda são mais mal geridos e estão na dependência do hinterland de Madrid”, assinalou Álvaro Costa.
António Ricca: “China e EUA dão 10 a zero à Europa em termos de inovação”
O terceiro orador do painel, António Ricca, abordou a realidade empresarial e referiu que o Estado é um factor de perda de competitividade, não apenas no nosso país, mas um pouco por toda a Europa. “Há uns anos, o setor público consumia cerca de 30% do PIB dos países europeus, enquanto hoje consome mais de 40%. Na China e nos EUA é o contrário. Por isso é que eles nos dão 10 a zero”, observou o engenheiro e gestor, também ele membro da Direção da ACP-CCIP. Olhando para o fator regional, António Ricca considerou que se verifica uma “drenagem dos recursos” para a capital, onde não está o setor produtivo, mas estão os headquarters das empresas e os serviços centrais do Estado. “Por isso”, acrescentou, “é que se pagam melhores salários do que no resto do país”.
No final da sua primeira intervenção, o fundador e presidente da EFAFLU mostrou-se contra o discurso da falta de qualificações, da perda de jovens para a emigração e da escassez de capital. O que falta, sobretudo na região Norte, é que as empresas “não tenham de esperar quatro anos para realizar um investimento ou criar uma nave industrial”. “Há excesso de burocracia, o que afasta os investimentos”, acrescentou.
Álvaro Costa concordou com esta perspetiva, dizendo que “o Estado consome recursos a mais às empresas e à economia”. O professor da FEUP e especialista em transportes lembrou, a esse propósito, que Portugal tem uma divisão “muito interessante” no seu território, uma vez que há uma separação clara entre os núcleos com maior e menor tecido empresarial. “Curiosamente, é nas regiões onde estão as empresas que existem melhores serviços públicos”, identificou.
Augusto Santos Silva: “É raro o empresário que não depende do Estado”
Augusto Santos Silva desdramatizou as críticas ao Estado feitas pelos dois colegas de painel e focou aquilo que considera ser uma “evolução assinalável nos últimos 30 anos” da qualidade dos serviços públicos. Para o antigo presidente da AR, a questão devia centrar-se mais no motivo pelo qual “em Portugal não dependemos menos do Estado”, dando como exemplo a atitude de muitos empresários de procurar algum benefício do setor público. “É muito raro o empresário português que não depende, direta ou indiretamente, do Estado”, referiu o antigo ministro, acrescentando que essa obtenção de vantagem pode passar “por tentar fechado o mercado” ou “conceder uma qualquer vantagem administrativa”.
Onde o professor da FEP concordou com os seus interlocutores foi nos obstáculos que hoje estão criados ao investimento privado, assumindo que “há um entendimento perverso nas questões ambientais”, “nas suspeitas de corrupção a qualquer projeto” e também na “litigância constante”. “O problema é que esse entendimento é sufragado pelo nosso sistema de justiça”, alertou Santos Silva.
O debate centrou-se neste argumento, com António Ricca a reiterar a ideia de que o investimento privado é mais viável “em áreas onde o Estado não consegue intervir”, como os serviços das tecnologias de informação. “Com a reindustrialização europeia, a falta de agilidade do Estado [português] vai-nos fazer perder investimento”, acrescentou o empresário, que, numa mensagem final, dirigida ao auditório de estudantes da Universidade Portucalense, apelou a que não se resignem em “ser a geração dos mil euros” e que “não tenham medo de errar”.
8 de novembro 2024