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Tiago Pitta e Cunha, nas Conversas na Bolsa: “Temos um posicionamento absolutamente central no domínio marítimo”
Convidado pela Associação Comercial do Porto para a 27ª edição das Conversas na Bolsa, Tiago Pitta e Cunha fez uma análise histórica à “fortíssima vocação marítima” que atribui ao nosso país e projetou o potencial económico e de desenvolvimento da chamada “economia azul”, da qual o Presidente Executivo da Fundação Oceano Azul é um dos grandes especialistas nacionais e europeus.
Numa conferência intitulada “Oceano, à Economia Azul e ao Século XXI”, Pitta e Cunha começou por recordar o afastamento que Portugal promoveu em relação aos assuntos marítimos, primeiro na ressaca do 25 de Abril e da cultura anticolonial predominante, mais tarde com a entrada na CEE. O convidado lembrou, todavia, que o nosso país representava “a 13ª maior tonelagem marítima em 1974” e chegou a ser “a indústria naval número um no mundo”, com empresas como a Lisnave e a Setenave, considerando que se “virou a página depressa demais” nessa fase, abandonando o posicionamento “absolutamente central no mundo marítimo” que Portugal dispõe.
O jurista, vencedor do Prémio Pessoa em 2021, considerou que existe uma “obsessão” com a ideia de sermos um território periférico, mas contrapôs com a ideia de que “somos periféricos em relação a Bruxelas”, mas não em relação ao grande comércio marítimo internacional. Na mesma linha, Pitta e Cunha defendeu que a imagem do país pequeno não pode prevalecer, sobretudo pela dimensão do nosso território marítimo: “temos uma Zona Económica Exclusiva com dois milhões de metros quadrados e uma plataforma continental maior que a Noruega”. Essa extensão, assinalou o orador, colocaria Portugal num “G20 do mar”, caso este existisse, e justifica “um reposicionamento psicológico muito forte para o século XXI” português. Infelizmente, anotou o antigo conselheiro da Presidência da República, não se vê esta vantagem comparativa refletida nas prioridades políticas, “que não nos diferenciam no tempo e na geografia”. “São os mesmos objetivos que servem para o Vietname ou para o Bangladesh, quando é a geografia que nos distingue da Europa”, sublinhou.
MAR AO SERVIÇO DA DESCARBONIZAÇÃO
Além da dimensão económica nacional, Pitta e Cunha expôs aquela que é a grande ameaça à sustentabilidade dos ecossistemas marinhos: o impacto das alterações climáticas nos oceanos. O especialista assinalou que a degradação corrente da biomassa do mar, caso não seja travada, irá conduzir a que haja “mais plástico nas águas do que peixe, já em 2050”. A esta “poluição que flutua”, o convidado acrescentou a eutrofização das águas, que decorre do excesso de nutrientes e matéria orgânica depositada nas zonas costeiras e que está a “asfixiar” os ecossistemas. Finalmente, as alterações climáticas, que, de acordo com o conferencista, “têm mais impactos nos oceanos do que a poluição ou a sobrepesca”. Assinalando que o “mar absorve 90% do aquecimento global”, Tiago Pitta e Cunha concluiu que a “grande prioridade para o século XXI é o combate às alterações climáticas”, assumindo a necessidade efetiva de não se permitir que a temperatura da terra aumente mais de 1,5 graus até ao final do século, para “evitar cenários catastrofistas”. “Se o século XX foi o do Estado Social, o século XXI será o da descarbonização, porque é isso que vai permitir aos habitantes dos próximos séculos cá estarem”, concluiu o responsável pela Fundação Oceano Azul.
Neste domínio, Pitta e Cunha considerou que o mar terá um papel decisivo para alcançar as metas do Acordo de Paris e recordou os três grandes pilares do conceito de economia azul: os transportes, a energia e a alimentação. No primeiro caso, recordou aos presentes que os navios são “o meio de transporte que consegue deslocar mais massa com menos energia”, devido à flutuabilidade dos corpos que o mar assegura, o que garante que serem uma solução para o futuro. Quanto à energia, o orador considerou que a captação offshore “será uma componente fundamental do energy mix da Europa” e congratulou-se pelo facto de Portugal estar a trabalhar nesse sentido, sendo “pioneiro na tecnologia offshore flutuante” e um potencial exportador energético no futuro.
Na alimentação, por sua vez, Tiago Pitta e Cunha perspetiva um “papel determinante” do oceano para responder às necessidades alimentares do futuro. “Neste momento, apenas 17% das proteínas que consumimos à escala global têm origem no mar”, assinalou, lembrando que a carência de alimentos não vai ser possível de superar num modelo “business as usual”, pelo facto da indústria alimentar atual ser “altamente carbonizadora”. Assim, vão surgir novas proteínas e novas dietas, designadamente as “dietas verdes”, que correspondem a uma necessidade de controlar emissões e “descarbonizar as nossas sociedades”. “As algas e os bivalves vão ser ingredientes determinantes nas nossas dietas no século XXI e Portugal tem condições que mais nenhum país tem na Europa para o conseguir”, defendeu, vincando que as algas já são, hoje, “parte da solução” porque são plantas que contribuem para sequestrar carbono. Esta transformação é um exemplo do que Tiago Pitta e Cunha designa por bioeconomia azul, setor que a União Europeia quer desenvolver até 2050, visando “quadruplicar os materiais biotecnológicos presentes nos materiais que comercializamos”.
Veja a reportagem da Renascença sobre as Conversas na Bolsa com Tiago Pitta e Cunha ou ouça em podcast.
24 de outubro de 2022