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Teixeira Fernandes: “A China é quem mais tem a ganhar com a transição energética”
José Pedro Teixeira Fernandes foi o convidado no regresso das Conversas na Bolsa, o almoço-conferência promovido pela Associação Comercial do Porto, no passado dia 30 de setembro. O especialista e professor de Relações Internacionais trouxe ao Palácio da Bolsa uma reflexão sobre “a geopolítica da transição energética”, colocando em cima da mesa algumas das questões mais estruturantes sobre o mercado da energia atual e os custos políticos do abandono dos combustíveis fósseis.
O investigador do IPRI começou por considerar que “a dimensão geopolítica é muito subestimada” em matéria de energia. No essencial, explicou, porque existe um conflito entre “a ideia simplista da União Europeia” na promoção de uma economia verde e as tensões relativas aos combustíveis fósseis que “não vão desaparecer nos próximos 5, 10 ou 20 anos”. O convidado contextualizou, lembrando o Acordo de Paris – que visa limitar o aumento da temperatura média global a 1,5 graus – e o empenho que a Comissão Europeia deposita nesse objetivo, mas reconheceu que “só é possível transitar harmoniosamente [em termos de energia] se o resto do mundo, que produz gás e petróleo, quiser”.
Neste quadro, e relembrando os realinhamentos que existem na produção e no consumo de combustíveis, Teixeira Fernandes considerou que a Europa e o Ocidente, em geral, vão precisar de manter “durante muitos anos” o abastecimento de petróleo, carvão e gás natural, para “não haver ruturas”. E esta dependência está a gerar choques intensos ao nível dos grandes produtores de petróleo, que estão a perceber que, ao “alinharem comportamentos” e “reduzirem deliberadamente a produção”, provocam “muitas dores de cabeça” aos ocidentais. “E todos ganham”, acrescentou.
Este cenário não antecipa, na opinião do especialista, tempos fáceis para o continente europeu, dada a sua escassez de recursos naturais e a falta de “autonomia estratégica energética”. De resto, José Pedro Teixeira Fernandes não coloca os EUA e a União Europeia “no mesmo saco”, dado que os americanos dispõem dessa autonomia e têm as suas empresas “a trabalhar a preços de energia que nada têm que ver com a Europa”. “Por isso, podem falar confortavelmente de sanções à Rússia”, aprofundou o orador. “Se isto for permanente, a Europa vai perder competitividade. Porque não vai aparecer um modelo alternativo de energia abundante e barata no imediato”, completou.
EUROPA SEM IDEALISMOS
Se, no curto e médio prazo, a transição para um modelo de sustentabilidade energética não dispensa a produção de combustíveis fósseis, o horizonte mais longo também não traz boas notícias para a Europa. Desde logo, porque a economia verde vai precisar de matérias-primas provenientes de “terras raras” em grande quantidade e quem domina nesse capítulo – “não só porque tem recursos naturais, mas também pelas posições que conquistou em África” – é a China. Por isso, Teixeira Fernandes não tem receio em afirmar que “a China é o país que mais tem a ganhar com a transição energética”: ao mesmo tempo que responde ao estímulo ambiental, tem a vantagem de “poder destronar os EUA”, uma vez que grande parte dos equipamentos necessários à chamada transição energética são feitos em território chinês, como as baterias e os painéis solares.
As considerações de José Pedro Teixeira Fernandes, de acordo com o próprio, não visam “apelar a que não se faça nada” em matéria de ambiente e sustentabilidade. O que o professor e investigador defendeu no Senado do Porto é que a Europa e Portugal têm de perceber qual o “o caminho que estão a trilhar e sem idealismos”. “Vamos enfrentar uma grande competição e, se não estivermos preparados, vamos sofrer”, advertiu.
O próximo Conversas na Bolsa terá lugar no dia 21 de outubro, com Tiago Pitta e Cunha, administrador da Fundação Oceano Azul, como orador convidado.
4 de outubro de 2022