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Reforçar investimento, ‘desfestivalizar’ e apoiar a criação no tempo: as conclusões para a Cultura que encerraram o PROJETOR 2030
“Que valor para a criatividade o património?” foi a questão colocada na sexta e última conferência PROJETOR 2030, que juntou no passado dia 13 de dezembro três protagonistas da programação cultural na região Norte: Carlos Martins, consultor e fundador da Opium; Jorge Sobrado, diretor do Museu da Cidade do Porto; e Paulo Brandão, diretor do Theatro Circo. A condução do evento, realizado na Sala Dourada do Palácio da Bolsa, foi assegurada por Rosário Gambôa, Diretora da Associação Comercial do Porto.
CARLOS MARTINS: “SOMOS UM POBRE PAÍS EM TERMOS CULTURAIS”
Numa intervenção por videoconferência, Carlos Martins abriu a sessão com uma análise crítica ao setor da Cultura no nosso país, aludindo ao “problema crónico do financiamento público”, mas também ao facto de Portugal ser “um pobre país em termos culturais à escala internacional”. “Temos baixíssimas percentagens de participação cultural, os portugueses são daqueles que menos leem, menos vão ao cinema, menos consomem teatro e concertos”, exemplificou o consultor e programador.
Neste panorama, o convidado deixou uma nota positiva aos municípios, enquanto “agentes que contribuem para maior presença da atividade cultural” no território; e uma nota negativa ao facto de promoverem a “eventificação” do setor e assumirem um “papel esmagador nos últimos anos”, retratando-os como “um eucalipto que seca tudo à volta”. Mas Carlos Martins foi ainda mais cáustico ao referir-se ao Estado central, entendendo que este tem uma “dimensão centralista e paternalista”, agravada pelo apoio “muito deficitário que presta”. Num exemplo, contestou os apoios da DG Artes e do ICA, “decididos centralmente, sem nenhuma declinação regional”.
Reconhecendo uma oportunidade nos fundos comunitários, o fundador da Opium – empresa de planeamento cultural – deixou diversos contributos para melhorar o setor, desde logo considerando a necessidade de “aceitar que existe um problema”. “Precisamos de reforçar o investimento na cultura, aumentar os processos de relação entre cultura e educação, reforçar os processos de avaliação das políticas públicas”, avançou o convidado, apelando a que se realizem contratos-programa para uma década, se transforme “em estratégico o que é pontual” e se ‘desfestivalize’ a atividade cultural. No final, fez votos para que a região Norte “possa ser reconhecida internacionalmente como a grande região cultural do país” no final desta década.
Vídeo: veja a intervenção de Carlos Martins
JORGE SOBRADO: “FALTA RESOLVER A ARQUITETURA DE POLÍTICAS PÚBLICAS”
Menos “punitivo” com os municípios, por serem acusados de “demasiado intervencionismo” na cultura, Jorge Sobrado considerou que são as autarquias a substituírem o “vazio das políticas públicas” para o setor. Recorrendo à sua experiência como autarca em Viseu, o novo diretor do Museu da Cidade do Porto e das bibliotecas municipais lembrou que, naquela cidade, “havia pouco ou quase nada” em termos de mecenato, um “apoio progressivamente exíguo” do Estado Central na programação do Teatro Viriato e sobrava à autarquia o papel de grande financiador da cultura. Reconhecendo, todavia, que “as políticas municipais têm sido feitas mais numa lógica de encomenda e animação do território, do que de apoio à criação”. “Mas esse é o papel dos poderes nacionais e dos regionais”, contraditou, por serem os organismos que “têm a grande componente financeira”.
Olhando para o setor como um todo, Sobrado considerou existir um problema de articulação entre as entidades responsáveis – designadamente ao nível dos fundos comunitários. “Faz falta resolver um problema de arquitetura de políticas públicas. E não apenas de centralismo”, enquadrou o convidado, dando exemplos de objetos artísticos – como o folclore – que podem ser financiados “ao mesmo tempo” por entidades nacionais, regionais e locais. “Não faz qualquer sentido”, defendeu, acrescentando que, na sua perspetiva, “os municípios devem assumir determinadas responsabilidades e o Estado central outras”.
Olhando para o futuro, o diretor do Museu da Cidade do Porto também defendeu uma nova política de financiamento, que se “reoriente da animação para a criação”. “O que faz falta nas cidades médias são centros de criação”, justificou, acrescentando a necessidade de serem criadas “interfaces que liguem o mundo do património e da criação”, neste momento “divorciados”.
Vídeo: veja a intervenção de Jorge Sobrado
PAULO BRANDÃO: “OS CICLOS POLÍTICOS NÃO AJUDAM À IDEIA DE CRIAR NO TEMPO”
Assumindo-se mais “criativo” que “tecnocrata”, Paulo Brandão recordou um aspeto positivo dos últimos 20 anos no setor da cultura, pelo facto de terem trazido “equipamentos âncora” ao território que não existiam – por exemplo, o Theatro Circo, renovado e reaberto em 2006. O diretor da sala de espetáculos bracarense, ex-diretor de cena do Teatro Nacional de São João, apontou, no entanto, para a distância que existe entre quem decide os investimentos e quem deles usufruiu: “muitos dos apoios são desenhados sem que as pessoas que estão no terreno sejam ouvidas”, testemunhou.
Ao nível da formação, o convidado aludiu à necessidade de haver “boas escolas”, sem as quais não existem “bons criativos” e recordou uma instituição superior em Haia, nos Países Baixos, que recentemente visitou e onde constatou a existência de material de topo na área da fotografia. “Não podemos ter apenas bons recursos humanos, também é necessário equipamento”, defendeu.
À semelhança dos colegas de painel, Paulo Brandão também criticou a falta de continuidade de alguns apoios e o difícil entendimento entre as entidades competentes. “Os ciclos políticos não ajudam” à ideia de “criar no tempo”, considerou, acrescentando que a ideia de estabelecer “relações entre as cidades e os criativos, independentemente dos ciclos políticos, não é fácil”. Por outro lado, apontou, as instituições “funcionam com diferentes tempos”, lembrando um concurso em que recentemente participou e cujas regras obrigavam a entregar toda a programação de 2023 até 31 de outubro. “Isto é um compasso totalmente diferente da realidade”, acrescentando: como é que eu vou entregar uma candidatura quando a Câmara Municipal nem sequer votou o orçamento para o ano seguinte?”. O diretor concluiu, assumindo que “só o trabalho no tempo é que cria público, estabilidade e fomenta o trabalho dos artistas”.
Vídeo: veja a intervenção de Paulo Brandão