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Melhorar critérios, acelerar execução e forçar investimento produtivo: propostas para a aplicação dos fundos nas empresas, defendidas na segunda conferência PROJETOR 2030
A Associação Comercial do Porto promoveu, a 12 de outubro, a segunda conferência PROJETOR 2030, dedicada a refletir sobre o apoio às empresas proveniente dos fundos comunitários.
Num evento que reuniu três “profundos conhecedores” desta matéria, como classificou o Diretor da Associação e moderador do debate, Jorge Macedo, a primeira análise foi económica e focada no impacto que a atribuição dos fundos comunitários tem tido nas empresas.
FERNANDO ALEXANDRE: “A FORMA COMO SE DEFINEM CRITÉRIOS PARA A ATRIBUIÇÃO DOS FUNDOS É UM ASPETO FUNDAMENTAL”
Fernando Alexandre, professor da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, fez uma retrospetiva inicial sobre os últimos 20 anos da economia portuguesa, marcados por “crescimentos baixos e sucessivas crises” que explicam esses resultados. Neste quadro, o académico considerou que os apoios europeus serviram para que as empresas beneficiárias realizassem investimento “mais depressa”. “Foram aceleradores de investimento para muitas empresas, que investem mais rápido e em maior escala”, explicou, não deixando de “levantar algumas dúvidas” sobre esta estratégia, pensando no “objetivo inicial dos fundos”.
Reconhecendo que há “muitas empresas que recebem sucessivamente” verbas comunitárias de apoio – 30% das 11 mil empresas apoiadas por fundos, entre 2007 e 2019, receberam 65% do montante disponível – a dúvida levantada por Fernando Alexandre é se faz sentido “dar pequenos montantes a um maior número de empresas” ou “repetir apoios às mesmas empresas”, numa estratégia conhecida na economia por picking winners.
Deixando alguns contributos para esta reflexão, Fernando Alexandre considerou, a partir dos dados recolhidos, que existem efeitos positivos na atribuição de fundos europeus às empresas, designadamente ao nível do “investimento, do emprego e às vezes no valor acrescentado”. “Na produtividade não acontece muitas vezes”, concluiu, assumindo que estes resultados variam consoante a escala das organizações: “onde parece haver mais efeitos é nas pequenas empresas. Nas ‘micro’, não encontramos praticamente efeitos nenhuns e nas médias e grandes não vemos efeitos significativos”. Assim, na perspetiva do orador, os dados “sugerem que é necessária uma determinada escala e é a partir daí que a empresa mais beneficia em receber fundos”.
Fernando Alexandre identificou ainda externalidades positivas nas candidaturas em copromoção, onde se registam impactos ao nível da produtividade, e, em conclusão, defendeu que a forma “como se definem critérios para a atribuição dos fundos” é um aspeto “fundamental” para cumprir os objetivos: “obter ganhos na produtividade e fazer crescer a economia portuguesa”.
Veja o vídeo da intervenção de Fernando Alexandre
CASTRO ALMEIDA: “FUNDOS ESTÃO A SUBSTITUIR ORÇAMENTO DO ESTADO”
“Se pelos frutos se avaliam as árvores, o ciclo do PT 2020 não é propriamente uma história de sucesso”. Foi desta forma que Manuel Castro Almeida iniciou a sua intervenção, recordando o histórico pouco favorável do país, nos últimos anos, em termos de desempenho económico. O antigo Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional, responsável pelo desenho do programa comunitário que ainda está em vigor, lembrou que Portugal, de 2014 a 2020, foi ultrapassado por cinco parceiros europeus em termos de PIB per capita. “Isto significa que alguma coisa não correu bem e que os fundos não foram capazes de inverter esta trajetória”, reconheceu.
Castro Almeida reiterou que os fundos não estão a responder ao desafio da competitividade das empresas, invocando dois motivos concretos. O primeiro, resulta do facto dos apoios europeus terem servido, nos últimos anos, “mais para substituir orçamento do Estado, do que para somar ao orçamento”. A prioridade, neste campo, tem sido a de “endireitar as contas públicas” e não a de “fazer crescer a economia”, sublinhou o antigo autarca e administrador da CCDRN, assinalando que “85% do investimento público, entre 2016 e 2021, foi financiado por fundos europeus”. Ao nível da despesa corrente, “o cenário é ainda pior” considerou o orador, dando como exemplos de uso incorreto das verbas europeias o caso do pagamento de bolsas de estudos e de cursos de formação profissional nas escolas secundárias. “Os fundos não servem para isso, mas é o que está a acontecer”, anotou.
A segunda razão apontada por Castro Almeida é a execução dos programas de apoio, assumindo que o exemplo do PT2020 “é preocupante” e exige que, para não serem perdidos montantes, o Estado seja capaz de “acelerar 60% do ritmo de execução”. No caso do PRR, a imagem não é menos negativa: “já decorreu 24% do tempo disponível para o programa e foram executados 5% dos fundos”, assinalou o antigo Secretário de Estado. Finalmente, o PT 2030 “também já está atrasado um ano” no seu lançamento, com a agravante, recordou, de “dispor de menos tempo para executar que o PT 2020”. Castro Almeida lamentou ainda uma “grande diferença” no apoio à economia presente no próximo quadro comunitário, assumindo que as verbas destinadas ao Compete “baixam 11% no PT 2030” em relação ao programa que ele próprio desenhou. “São menos 500 milhões de euros, o que para mim é incompreensível. Se a economia é o grande problema, então a aposta é nas empresas”, concluiu.
Veja o vídeo da intervenção de Manuel Castro Almeida
PEDRO SIZA VIEIRA: “TEMOS DE ACELERAR TENDÊNCIAS POSITIVAS”
Ministro até abril deste ano, Pedro Siza Vieira reconheceu o contexto difícil da economia portuguesa nos últimos 20 anos, mas transmitiu, por outro lado, que “o panorama já não é o mesmo” nas empresas nacionais, dando nota de que estas tiveram de se “reorientar, melhorar processos e ser mais eficientes”. Nesse sentido, lembrou que “em 2022 o valor das exportações corresponde a 49% do PIB” e que “o turismo não explica tudo”, uma vez que o setor representa 20% do total de exportação.
Assim, Siza Vieira defendeu que para o país “fugir à armadilha do rendimento intermédio”, tem de ser capaz de “acelerar as tendências positivas que se vão sentido”. Uma das apostas, concretizou, passa por “colocar ao serviço da economia o maior investimento que o país fez nas últimas décadas: a educação”, enaltecendo que, na população dos 25 e os 34 anos, Portugal regista níveis de qualificação de base “ao nível da União Europeia”.
Para o jurista, o papel que compete aos fundos europeus é precisamente “ajudar neste processo de transformação” da economia portuguesa e não insistir num uso “para remendar coisas”. “Importante é ajudar a que sejam fonte de capital para investimento produtivo”, reforçou o orador, reivindicando uma aposta crescente nos sistemas de investigação e desenvolvimento, nos projetos em copromoção e nos apoios à criação de cadeias de valor. “Tudo isto são coisas virtuosas, que os fundos têm possibilidade de fazer”, registou, sublinhando o exemplo “inspirador” das agendas mobilizadoras.
Veja o vídeo da intervenção de Pedro Siza Vieira
14 de outubro de 2022