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Debate sobre imagens da guerra mostrou diferenças entre a força da opinião pública e a política de pensamento único
O Palácio da Bolsa acolheu, no dia 7 de junho, a conferência “Ucrânia – A guerra pelas imagens nos media”, que teve por base uma apresentação da reportagem realizada por Daniel Rodrigues, fotojornalista e vencedor do World Press Photo de 2013, ao longo de 40 dias em território ucraniano.
No lançamento da sessão, Nuno Botelho saudou a presença dos convidados e valorizou o desafio lançado à Associação Comercial do Porto para realizar o encontro, considerando que o mesmo permite “aclarar algumas das questões mais complexas sobre o conflito na Ucrânia”. Recordando as “consequências desastrosas do ponto de vista económico, social e humanitário”, o presidente da Associação Comercial considerou ser “um dever”, mas “também uma honra” para a instituição acolher a iniciativa, sublinhando a sua pertinência para a compreensão do fenómeno que marca a agenda política internacional desde o início do ano. “Os tempos que vivemos são muito desafiantes e exigem de nós um pensamento crítico para não repetir os erros do passado”, acrescentou Nuno Botelho.
Convidado especial desta sessão, Daniel Rodrigues recordou o seu percurso como fotojornalista, assumindo que o trabalho e a vocação para a aventura significam “unir o melhor dos dois mundos”. Instigado a deslocar-se ao cenário de guerra ucraniano, o repórter optou pela zona de Kharkiv, no leste do país, para conhecer uma zona menos congestionada de jornalistas, por um lado, e com mais tensão militar, por outro. A reportagem de Daniel Rodrigues foi apresentada num impactante vídeo, que o convidado reconheceu “falar mais do que as palavras” e que traduz, também, a importância mediática que esta guerra tem tido. “O público pede este registo e nós temos de nos adaptar”, sublinhou o fotógrafo, assumindo que ninguém consegue ser indiferente às imagens que se vão transmitindo do conflito.
PESO DA OPINIÃO PÚBLICA
Antigo Embaixador português na ONU, Francisco Seixas da Costa enalteceu o impacto que a cobertura mediática da guerra produziu na atitude dos governos europeus face à Rússia. “A imposição de sanções económicas fortes e que geram efeito boomerang só foi possível graças à mobilização das opiniões públicas”, referiu o diplomata. Seixas da Costa mostrou-se convicto de que o governo russo “não esperava uma reação tão forte” por parte da União Europeia, face às “dependências económicas” existentes, salientando assim o papel “fundamental” que os media tiveram na pressão exercida sobre os países ocidentais.
Contextualizando a invasão da Ucrânia, o ex-Embaixador recordou a perturbação crescente que existia na Rússia face à possibilidade do rearmamento ucraniano e o “ressabiamento histórico” que resultou da perda da guerra fria. Ainda assim, assumiu que “nunca acreditou” numa agressão russa e considerou “inexplicável” assistir à “destruição de alvos civis”, conjugada com “um discurso de libertação patético” por parte de Moscovo. “Curioso” para compreender o desfecho deste conflito, Seixas da Costa entende como “legítima” a aspiração ucraniana de manter intacto o seu território, incluindo a retoma da Crimeia. No entanto, o diplomata mostrou-se cético quanto a essa possibilidade: “não sei se haverá consenso no Ocidente para continuar a apoiar a Ucrânia, em ambições que ultrapassem aquilo que era o status quo antes de 24 de fevereiro”.
Também Sandra Dias Fernandes manifestou reservas quanto à possibilidade da Ucrânia recuperar 20% do território que “já não controla neste momento”. Procurando “perspetivar uma saída” para o conflito, a professora de relações internacionais da Universidade do Minho recorreu à história para explicar que “algo correu muito mal” na relação entre a Europa e o Ocidente, em geral, com a Federação Russa. A docente recordou que os ocidentais não percebem “o quão traumático foi o final da guerra fria e os anos 90 para a Rússia”, havendo do outro lado uma desilusão com o processo de aproximação europeia e uma progressiva orientação asiática. “A Rússia começa a pensar numa grande Eurásia, mais do que numa grande Europa”, considerou Sandra Dias Fernandes.
PENSAMENTO ÚNICO NA RÚSSIA
Correspondente da RTP em Moscovo há mais de duas décadas, Evgueni Mouravitch reconheceu que a Federação Russa “já não é um país autoritário, mas sim totalitário”. A perspetiva imperialista de Putin, acrescentou o jornalista, tornou o país “incapaz de pensar no futuro” e apenas centrado em “conquistar e militarizar-se”. Por outro lado, sublinhou, “não apenas foi esmagada a oposição [política], como foi impedido qualquer pensamento alternativo” ao da administração de Putin, a quem acusou de estar a “corromper o pensamento político mundial”, criando um “clube internacional de populistas”, nos quais incluiu o presidente brasileiro, o primeiro-ministro húngaro e a candidata presidencial francesa, Marine Le Pen.
Já na sessão de debate, Evgueni Mouravitch recordou que “há muitas ‘rússias’” dentro de um país com 11 fusos horários diferentes. De acordo com o jornalista, a população divide-se entre uma franja dominante “que vive do orçamento federal” e outro segmento minoritário, que vive em grandes cidades como Moscovo e São Petersburgo e que está a ser “espezinhado pelas sanções do Ocidente”. O problema que o jornalista identifica é que a população “não civilizada” ajuda a perpetuar Putin no poder. “Não votam num líder, mas sim num bom czar”, sugeriu Mouravitch, assumindo que o seu país “funciona hoje num sistema de comando único”.
Para Seixas da Costa, a resolução do conflito estará no compromisso entre as duas nações. No entanto, o diplomata defendeu que a negociação só vai existir “quando uma das partes entender que o tempo não corre a seu favor”. “Neste momento, ambos os lados entendem que o tempo lhe é favorável. O que sabemos, é que um deles está errado. Só não sabemos qual”, concluiu.
8 de junho 2022