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Álvaro Beleza, nas Conversas na Bolsa: “fazia sentido que uma Câmara das Regiões fosse no Porto”
A presença de Álvaro Beleza nas Conversas na Bolsa, no passado dia 17 de fevereiro, prometia trazer a debate as “reformas necessárias para regenerar a democracia” e o convidado não perdeu tempo a enunciá-las, começando por aquela que considera a mais “central” e a “melhor maneira de comemorar os 50 anos do 25 de Abril”: a reforma do sistema político e eleitoral português.
Como resposta ao “défice de confiança dos cidadãos na política” e nas instituições, o médico e presidente da SEDES – Associação para o Desenvolvimento Económico e Social defendeu uma reforma do sistema político capaz de “aproximar os eleitos dos eleitores”, especialmente ao nível do Parlamento. Isto porque, alertou, os deputados eleitos “obedecem aos partidos e não ao povo que os elege”. Nesse sentido, considerou necessária a criação de círculos uninominais, tal como acontece com “as democracias mais consolidadas do mundo” e dando o parlamentarismo inglês como referência maior desta prática, onde os próprios membros do Governo são eleitos deputados. “Thatcher dizia nas suas memórias que, todas as semanas, tinha de ir falar com as donas de casa que a elegeram. Isto faz os políticos descerem à terra”, afirmou o convidado.
Além dos círculos uninominais, o presidente da SEDES invocou a criação de uma câmara alta como a segunda grande reforma eleitoral necessária ao país. Álvaro Beleza lembrou que “há apenas três países na Europa que não têm senado” e considerou que a sua existência é a garantia de um maior equilíbrio na representação política das regiões, dando os EUA como exemplo: “todos os estados americanos elegem dois senadores. Seja a Califórnia ou o Delaware. Isso é que equilibra, porque, se não fosse assim, não havia investimento do Estado federal nestes territórios”. O também dirigente do Partido Socialista foi mais longe nesta apologia de um senado português, defendendo que a segunda câmara parlamentar poderia ser designada de Câmara das Regiões e ser sediada no Porto. “Fazia sentido, precisamente por ser das regiões”, acrescentou, apontando a ideia de “desconcentrar poder” e conferir poder efetivo aos representantes regionais para, por exemplo, devolverem os orçamentos à câmara baixa – neste caso, a Assembleia da República – sempre que considerassem o valor orçamentado insuficiente. Na mesma linha, Álvaro Beleza preconizou a existência de regiões administrativas, mas não com dirigentes “nomeados pelo poder central ou por autarcas que devem obediência ao chefe do partido”. “Ou temos regiões eleitas, ou não temos”, afirmou.
“Não temos nenhuma doença”
A segunda reforma estrutural que o convidado apontou centra-se no domínio da economia e na adoção do que considera ser a “ideologia do crescimento” – um conceito que a SEDES vem defendendo nos últimos anos e que é aprofundado no livro Ambição – Duplicar o PIB em 20 Anos. Com ironia, Álvaro Beleza ressalvou que os portugueses não têm “nenhuma doença, nem nenhum problema genético” que impeçam de estar “ao mesmo nível dos outros” em matéria de desempenho económico. E o dirigente lembrou que o problema dos baixos salários em Portugal acontece por “não termos uma economia robusta”.
O guião para aplicar esta ideologia do crescimento começa na competitividade fiscal, tendo o médico e dirigente defendido que Portugal deve ter “todos os impostos mais baixos que Espanha”. “Temos de ser competitivos em termos fiscais e isso começa por competir com o vizinho do lado”, acrescentou, somando outras medidas nucleares como a reforma da justiça, o ensino profissional e a melhoria da ligação entre as universidades e as empresas, a demografia e a reforma do Estado. Sobre este último ponto, o orador lamentou que exista “uma geração de jovens, nascida depois de 1989, que acredita que é através do socialismo que lá vamos”. “Não é”, respondeu, assumindo ter uma visão sobre o Estado “mais como regulador do que como prestador”.
No final da sua intervenção, Álvaro Beleza invocou a energia e os transportes como setores fundamentais de afirmação económica no nosso país. O convidado recordou um encontro recente com empresários, onde estes apontaram a ferrovia como a principal necessidade para o desenvolvimento do país, e alertou para a necessidade de um “plano ferroviário a sério”, semelhante ao que foi criado no tempo do fontismo. Neste âmbito, deixou um apelo para que o Porto assuma a defesa de uma ligação de alta velocidade à Galiza – “e esta é urgente e estratégica”, anotou – mas também a Madrid. Sobre esta última, contudo, advertiu que “não pode ser feita por Aveiro”. “Ou o Porto se quer afirmar como capital do Noroeste Peninsular, ou não. É muito simples”, invocou.
Em conclusão, sem deixar de mostrar “algum ceticismo”, convocou os presentes a contribuírem para numa “coligação da sociedade civil” que seja capaz de forçar o poder político “a mudar alguma coisa”. “Os empresários têm de se meter mais na política” e a eles, acrescentou, devem juntar-se outros atores, como as associações empresariais, as universidades ou as confederações patronais. “Se todos puxarmos para o mesmo lado e dissermos mais ou menos a mesma coisa…isto vai”, defendeu.
22 de fevereiro 2023