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SABIA QUE… O CAFÉ IMPERIAL COMEÇOU A FUNCIONAR EM MAIO DE 1936?

SABIA QUE… O CAFÉ IMPERIAL COMEÇOU A FUNCIONAR EM MAIO DE 1936?

 Revisitamos algumas edições de O TRIPEIRO dos últimos anos, a centenária revista da Associação Comercial do Porto que é guardiã da história e do património da cidade desde 1908. Neste caso, espreitamos a edição de AGOSTO 2015.

Pode adquirir as edições mensais da revista O TRIPEIRO nos serviços do Palácio da Bolsa através dos contactos disponíveis na página de Facebook da Associação Comercial do Porto.

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 Breve radiografia de alguns cafés do Porto

 Imperial cedeu ao império…

Ao longo do ano 2014, as páginas de O TRIPEIRO abriram-se a um trabalho sobre os cafés do Porto elaborado por duas doutorandas da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, Catarina Gonçalves e Daniela Ribeiro. Na sequência desses textos, estamos agora a conhecer as fichas técnicas mais detalhadas de alguns desses cafés, incluindo fotografias, plantas, alçados e detalhes diversos sobre aspetos de caráter histórico e arquitetónico. Este mês falamos do antigo Café Imperial, localizado na Praça da Liberdade, que começou a funcionar a 27 de Maio de 1936 e foi substituído por um restaurante da cadeia McDonald’s – império da “fast food” – em meados da década de 90.

 

CAFÉ IMPERIAL, Praça da Liberdade (antiga Praça de D. Pedro IV). Antigo Café Central.

FUNDAÇÃO E ENCERRAMENTO

Fundado a 27 de Maio de 1936. Ainda que se tenha mantido em funcionamento até à década de 1990, é desconhecida a data precisa do seu encerramento. Atualmente, o espaço do antigo Café Imperial mantém-se a funcionar, mas foi adaptado para um estabelecimento de “fast food” da cadeia McDonald´s [as intervenções de remodelação e adaptação às funções de restaurante tiveram lugar entre 1990 e 1995. O restaurante abriu portas a 9 de novembro de 1995 – ver nota do editor nestas páginas].

AUTORIA

Edifício de Almeida Júnior da década de 40. Interior de Ernesto Korrodi.

FREQUENTADORES

Era um dos cafés mais luxuosos da sua época, com uma clientela seleta.

IMPLANTAÇÃO

Ocupa mais de metade do rés-do-chão do edifício, num lote com uma frente de rua bastante franca. Possui três pisos: cave, rés-do-chão e piso superior, sendo que o espaço de café propriamente dito situava-se no rés-do-chão.

 

ÁREA

O café ocupava uma área de cerca de 210 m2 no rés-do-chão e igual área no piso superior e na cave. No rés-do-chão situava-se a sala do café e outra sala, mais recuada, iluminada por um pátio que se abria ao nível da cave. No piso superior localizava-se o salão de bilhares, de área igual à do salão do café.

 

RELAÇÃO COM O EXTERIOR

Apesar de se tratar de um lote profundo, a fachada é bastante larga. A entrada é feita por uma porta em vidro que estabelece uma relação muito direta com o exterior, embora não houvesse esplanada. Esta porta de vidro, de abertura em rotação, era composta por duas folhas principais ao centro, por onde ordinariamente se fazia a entrada; no entanto, existem mais duas folhas menores de cada lado, possibilitando a abertura total do vão.

Ao fundo do salão do café existia ainda um pátio que fazia a transição entre o café e a zona de restaurante, com uma conotação mais reservada.

 

FACHADA

O café insere-se num edifício de linguagem modernista, com uma verticalidade muito acentuada pelos vãos rítmicos que se vão abrindo a espaços regulares. À verticalidade e ortogonalidade que caracteriza a fachada principal contrapõe-se a horizontalidade e a curvatura dos três arcos que definem o rés-do-chão. Estes três arcos abatidos são de larguras diferentes, correspondendo o maior arco ao Café Imperial.

Apesar da linguagem semelhante, o desenho dos arcos não é igual, sendo o que corresponde ao café extremamente imponente, coroado pela escultura de uma águia em bronze da autoria de Henrique Moreira – a águia imperial, símbolo do café.

 

INTERIOR

A entrada fazia-se diretamente para o grande espaço do salão do café, amplo, preenchido com mesas. O ritmo modulado determinado pelos elementos estruturais é enfatizado pela decoração das paredes, adornadas com grandes espelhos, frisos de baixos-relevos e vitrais de Riccardo Leone que conferem uma atmosfera de requinte ao café. Ao fundo da sala, um vitral representa a colheita do café. Um outro ilustra um elegante casal a tomar café.

O balcão, à semelhança do que se verifica atualmente, dispunha-se ao fundo do salão do rés-do-chão, a toda a largura do estabelecimento.

Ainda que apresentando um projeto inicial de forte influência Art Déco (projecto de 1934), com espaços mais fluídos e contínuos, e formas mais orgânicas – prevendo, inclusive, a existência de um “mezzaninne” sobre o rés-do-chão – o café foi edificado à semelhança do que se apresenta atualmente, de acordo com o projeto aprovado em 1936. De um espaço constituído por rés-do-chão, “mezzanine” e 1.º andar, o café passou a contar com um salão na cave, um no rés-do-chão e um outro no 1.º piso.

Deste projeto resultaram espaços muito mais estanques e encerrados: para além do amplo salão no rés-do-chão, uma enorme sala de jogos na cave, tida como sendo o maior salão de bilhares do país e que posteriormente foi destinada a restaurante. E, no 1.º piso, os escritórios, o armazém e um outro salão aberto para o pátio do rés-do-chão.

 

NOTA DO EDITOR

Segundo a dissertação de Mestrado em História da Arte Portuguesa “Cafés Históricos do Porto: na demanda de um património ignoto”, de Nuno Fernando Ferreira Mendes, foram frequentadores assíduos deste café, entre muitas outras personalidades ilustres da segunda metade do século XX, o célebre professor de português, linguística e literatura, Óscar Lopes, acompanhado do seu pai, o folclorista Armando Leça, e da violoncelista Irene Freitas. O polifacetado João Gaspar Simões também foi um assíduo frequentador do Imperial.

Refere o mesmo trabalho académico que “em pleno período de contestação antiditadura, era no interior do Café Imperial que os manifestantes se protegiam da polícia, que era barrada pela porta giratória do café. Esta fachada ainda se conserva, mas a porta giratória não sobreviveu. O mesmo acontece no interior do estabelecimento que, apesar de ainda se encontrar com a estrutura formal original, foi, todavia, muito alterado, com as intervenções de remodelação e adaptação às funções de restaurante, ocorridas entre 1990 e 1995, abrindo ao público no dia 9 de novembro deste último ano e permanecendo assim até hoje. Da traça original sobreviveram, somente, os elementos decorativos (a Águia Imperial, os frisos com os painéis de baixos-relevos e os magníficos vitrais Arte Deco).”

 

Texto de Catarina Gonçalves e Daniela Ribeiro, doutorandas da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto