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SABIA QUE… HÁ DEZENAS DE PINTURAS DE HAZUL NA CIDADE DO PORTO?
SABIA QUE… HÁ DEZENAS DE PINTURAS DE HAZUL NA CIDADE DO PORTO?
Revisitamos algumas edições de O TRIPEIRO dos últimos anos, a centenária revista da Associação Comercial do Porto que é guardiã da história e do património da cidade desde 1908. Neste caso, espreitamos a edição de JULHO 2015.
Pode adquirir as edições mensais da revista O TRIPEIRO nos serviços do Palácio da Bolsa através dos contactos disponíveis na página de Facebook da Associação Comercial do Porto.
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Arte pública
O mapa Hazul da cidade do Porto
Há aquela bem conhecida série de livros infantojuvenis, “Onde Está o Wally”, que desafia o leitor a encontrar o discreto boneco de camisola às riscas vermelhas e brancas num emaranhado de personagens. O Porto apresenta atualmente um desafio idêntico. Trata-se, aqui, de identificar as pinturas de Hazul, o artista e designer que nos últimos dois anos [2014 e 2015] salpicou a Baixa e o centro histórico da cidade com as suas imagens de mulheres, aves, minerais e geometrias coloridas. E que lançou até um mapa a situar os lugares onde elas se encontram. Um bom pretexto para ir também à descoberta de outros “graffitis” e de novas intervenções de “street art” na cidade que já não persegue estes artistas.
FICHA:
Mapa Hazul
Autor: Hazul
Ano: 2015
Localização: vários sítios da cidade
Onde está o Hazul? Este pode muito bem ser o mote para um passeio pela cidade do Porto nestes tempos em que todas as “movidas” confluem para a Baixa e em que os turistas calcorreiam os lugares do centro histórico: descobrir e identificar uma pintura de Hazul, das várias dezenas que este artista e designer filho da cidade inscreveu no seu espaço público. E há mesmo um mapa para ajudar neste desafio.
Lançado no início da primavera, por iniciativa do próprio artista e com o apoio de algumas instituições locais, o Mapa Hazul – Porto 2015 identifica 56 das oito dezenas de pinturas que o artista aqui realizou nos últimos dois anos.
A edição deste mapa – que tem distribuição gratuita, e que pode ser procurado em lugares como a Cooperativa Árvore ou a loja Dedicated Store – veio de certo modo assinalar um momento de viragem no modo com os “graffiters” vêm sendo vistos – e vêm também atuando – na cidade.
É certo que o verdadeiro ponto de viragem ocorreu um pouco mais atrás, em maio de 2013, quando uma “brigada antigraffiti” da câmara então presidida por Rui Rio cobriu com um banho de tinta amarela uma pintura que Hazul tinha feito numa parede degradada da Rua de Sá de Noronha.
O artista denunciou essa ação nas redes sociais, num gesto que teve repercussão na comunicação social e que deu origem a uma espécie de movimento em defesa da liberdade de expressão artística, ainda que condicionada pelo bom-senso, no espaço público.
“Eu estou habituado a que as pinturas sejam apagadas, mais cedo ou mais tarde. Para mim, o ideal, pintando em sítios abandonados, é que a pintura seja apagada quando o sítio for reabilitado. Estar a apagar a pintura e manter o lugar abandonado não faz muito sentido. Se as pinturas forem apagadas, o sítio for reabilitado e for também vantajoso para as pessoas que aqui habitam, acho excelente”, disse na altura Hazul em entrevista ao “site” P3 do PÚBLICO.
Nesse final do verão de 2013, já Rui Rio, então em final de mandato – e após um primeiro momento de quase guerrilha “graffiters”-funcionários autárquicos –, tinha alterado a sua política para com os artistas de rua, admitindo a sua atuação em locais licenciados e pré-determinados para o efeito.
Essa mudança de política seria depois assumida, quase como causa pública, pela nova equipa autárquica que sucedeu a Rio, com Rui Moreira na presidência e Paulo Cunha e Silva no pelouro da Cultura. A prová-lo esteve desde logo a organização, durante o mês de maio de 2014, do festival “Street Art” no edifício Axa, nos Aliados.
Com obras e intervenções nas paredes interiores do Axa – mas também na própria Avenida dos Aliados, nomeadamente nas cabinas telefónicas – de artistas como Alma, Doc, Draw, Ego, Eime, Fedor, Godmess, além do próprio Hazul e ao lado de autores estrangeiros convidados, como Okuda, de Espanha, e Fra. Biancoshock, de Itália, esta exposição marcou pontos no renovado calendário cultural da Baixa.
Em setembro do mesmo ano, a autarquia apoiaria também a realização do Push Festival, promovido pela associação Circus, que pôs vários artistas do Porto, e de novo alguns convidados estrangeiros, não só a pintar em ruas mas igualmente a realizar workshops, a mostrar filmes e a debater o estado da “street art”.
“A intervenção [dos artistas no espaço público da cidade] tem de ser negociada, regulamentada, mas isto não quer dizer que queiramos uma arte pública excessivamente condicionada. Ela precisa sempre de alguma irreverência e espontaneidade”, disse na altura Paulo Cunha e Silva, a contextualizar a nova política autárquica para o setor.
Da rua para as galerias
De arte perseguida na rua e proscrita, os “graffitis” passavam a expressão artística livre e com acesso às galerias. De resto, logo a seguir, em janeiro de 2015, o próprio Hazul haveria de conseguir conquistar o reconhecimento estético ao ser convidado a expor as suas pinturas, sob o título “Turqueza”, na Galeria REM, na Rua de Miguel Bombarda.
“Eu pinto na rua desde há mais de 15 anos. Mas nem sempre fiz isto. Antes, fazia ‘graffitis’, com outra assinatura, mas depois comecei a criar outros desenhos, pois já não me identificava muito com o que estava a fazer”, diz agora Hazul a’O TRIPEIRO, numa conversa a pretexto da edição do seu mapa.
Fomos encontrá-lo no World of Discoveries, o museu e parque temático recentemente aberto em Miragaia, onde o artista estava a preparar uma intervenção nas paredes interiores do edifício.
“Isto já foi o resultado da edição do mapa”, diz Hazul, explicando que o convite para pintar no museu surgiu também, de certo modo, como “uma compensação” para a destruição que a sua construção provocou na dezena de pinturas que tinha feito, em 2013, na Rua de S. Pedro de Miragaia – um trabalho que tinha realizado “como se se tratasse de uma galeria a céu aberto, e que foi visitada como uma exposição na Rua de Miguel Bombarda”, recorda.
“Com o lançamento do mapa, eles [a Douro Azul] aperceberam-se dessa situação e acharam interessante convidar-me para pintar o interior do World of Discoveries. Mas também o fizeram porque o meu trabalho tem semelhanças com o que eles queriam: retratar o ambiente de Ceuta do tempo dos Descobrimentos, as especiarias, os arabescos, as geometrias…”
À questão de saber se este convite, e a atenção que agora já lhe é dispensada pelo poder autárquico – por quem foi convidado, em conjunto com Mr. Dheo, para pintar uma parede na Trindade (ver texto ao lado) –, não significará que se transformou, de certo modo, num “pintor do regime”, Hazul responde com uma gargalhada. “Durante muitos anos, pintei na rua, sem retorno nem convites. Ninguém se mostrava interessado naquilo que fazíamos. Agora, com todo o ‘boom’ que houve, as pessoas começaram a querer ter o nosso trabalho, e começaram a pagá-lo”, explica. Mas não vê aí nenhuma contradição. “Os puristas dirão sempre que a ‘street art’ é na rua, e que ninguém deve ganhar dinheiro com isso”, acrescenta, para explicar que o seu próprio trabalho evoluiu no sentido de um interesse maior pelo desenho, pela estética e pela própria história da pintura. “Com o passar dos anos, também comecei a ter mais cuidado com os locais onde pintava, e a autorresponsabilizar-me pelo que fazia. Não sou nada dessa vertente de ser agressivo, invasor…”.
Respeito pela cidade
“Gosto muito do Porto, e tenho um respeito pela cidade que não me permite estar a pintar sem controlo”, acrescenta Hazul, enquadrando esta nova fase da sua carreira, que passou inclusivamente pela instalação de um atelier na Baixa, e na aposta noutras formas de expressão artística. Nos últimos anos, mesmo se lembra ser “um autodidata”, o artista e designer tem experimentado, para além da exposição em galerias convencionais, o trabalho de ilustração, nomeadamente na área da literatura infantil e também a publicidade, não só no Porto mas também lá fora.
“Também tem a ver com a minha idade, com a minha vida; ganhei um gosto mais pela arte em si do que só pela pintura ilegal na rua. Do que eu verdadeiramente gosto é de desenhar e de pintar”.
Nesse sentido, diz que a publicação do Mapa Hazul Porto 2015 vem simultaneamente “cristalizar um momento” na evolução da sua carreira e na relação da cidade com os “graffitis” e a “street art”.
As figuras femininas (sem rosto), aves, minerais e formas geométricas afirmaram já a sua assinatura nas paredes da cidade. “O meu trabalho é progressivo; nunca dou um grande salto de uma pintura para outra, vou acrescentando elementos e simultaneamente deixando outros para trás”, diz Hazul, reconhecendo o seu gosto pelos “arquétipos e símbolos universais”, além das imagens que retratam a natureza, os animais, as estações do ano, tudo preferencialmente bebido na História e no conhecimento das civilizações árabes e orientais. Mesmo se, simultaneamente, se diz também um apaixonado pelas cores e formas do modernismo, que tem vindo a descobrir nomeadamente na arte de um Amadeo ou um Almada.
Texto de Sérgio C. Andrade